domingo, 24 de junho de 2012

Além da Vida.


 Filhas travam disputa na Justiça para definir se corpo do pai vai ser enterrado ou enviado para os EUA, onde seria mantido congelado para futura possível ressuscitação. O caso é interessante porque nos faz refletir sobre a morte.
Embora a lei trate o óbito como um evento, ele é mais bem descrito como um processo. Quando as células deixam de receber oxigênio e nutrientes, nem todos os tecidos "morrem" ao mesmo tempo. Até três horas depois da parada cardíaca, as pupilas e os músculos ainda reagirão a determinados estímulos. Já as células ósseas mantêm-se transplantáveis por até 48 horas.
É justamente nessa noção de processo que se inscreve a lógica da preservação criônica: embora a medicina atual não seja capaz de curar um dado paciente, seus parâmetros essenciais -isto é, suas memórias e personalidade, que quase certamente correspondem a marcas físicas no cérebro-, mesmo depois da morte oficial, poderiam ser mantidos congelados até que existam tecnologias capazes de tratá-lo. Se a coisa funcionasse, a imortalidade estaria ao alcance pelo menos dos mais ricos.
E a questão social nem é a maior das encrencas propostas pela criônica. Em termos legais, o congelamento é uma forma de enterro. Mas isso só faz sentido se partimos do pressuposto de que a ressuscitação é impossível -o que ninguém pode afirmar com certeza. De outra forma, o sujeito deveria ser tratado como um paciente em coma, o que criaria uma série de dúvidas jurídicas.
Se admitimos que ele tem ainda chance de recuperação, então o que chamamos de declaração de óbito seria uma forma de eutanásia, o que traria complicadas implicações éticas. A morte definitiva só ocorreria em caso de perda irreparável de toda informação contida no cérebro.
A verdade é que, apesar de todos os grandes avanços da biologia e da medicina, ainda não dispomos de um conceito muito bom de morte.


(Helio Schwartsman- Folha de SP - 24/06/12)