domingo, 19 de agosto de 2012

Pai Nosso que estais no Olimpo




Na Olimpíada, muitos atletas erguerem as mãos para o céu. Nossa equipe feminina de vôlei celebrou o ouro com um uníssono e circular Padre-Nosso. Deus jogara do seu lado, o que significa logicamente que, por algum motivo, não jogara do outro. Sejamos compreensivos: não há lógica nessa preferência divina, há outra coisa, igualmente respeitável.
Quando os times perdem, significa que sua fé de vencedor é menor? Talvez se dê o mesmo com o sentimento de honra. Honra, na origem, é a disputa para saber quem faz a maior doação a outrem - este será o mais honrado. Neste caso, a coletividade é o juiz; no da fé, é Deus.
Para que serve o Padre-Nosso. Se macumba ganhasse jogo, dizia João Saldanha, o campeonato baiano terminava empatado. O Padre-Nosso, antes ou depois do jogo, será eficaz? Não, o adversário pode vencer. O que funciona é a confiança no Deus que se tem. "Deus é fiel", dizem os para-choques de caminhão. O Padre-Nosso após os jogos reitera a confiança em Deus. Confiança é um conceito chave na modernidade. A civilização moderna (ou capitalista, se preferimos falar do modo de produção) é tão complexa, tão inacessível à inteligência do homem comum, que só funciona porque confiamos em peritos. Não sei como funciona um celular, como os técnicos da Nasa puseram um robô em Marte, como o dinheiro que aplico aumenta, ou diminui, enquanto durmo, etc. - em qualquer caso eu confio que algum perito sabe e age por mim. Esse perito, indispensável entre nós e as coisas (máquinas, artefatos, habitus, procedimentos, crenças, etc.), é identificado por um rosto confiável. Quem confiaria num cirurgião de piercing no nariz, por exemplo? Ou num jornalista financeiro de bermudas? Deus (com o devido respeito aos que o amam e que têm dele outra definição) é o rosto confiável de uma infinita perícia: a que faz funcionar o mundo. Por isso, o idealizamos a nossa imagem e semelhança, e não o contrário. A imagem do Cristo é de um branco, cabelos lisos, olhos azuis; a de Apolo também: nenhum grego tinha aquele nariz, aqueles cabelos. Nenhum ioruba tem coxas como as de Xangô.
O fingimento dos ateus. Nunca vi um atleta se recusar à corrente do Padre-Nosso. Os que são evangélicos, budistas, espíritas, candomblezeiros, muçulmanos, fazem o que naquela hora? Recitam o Padre-Nosso como mantra, quase como o Hino Nacional - e ponto final. Ou fingem rezar, como os africanos e índios escravizados diante das imagens de santos. Olhavam uma coisa, viam outra. Os jesuítas reclamavam da conversão dos índios: era tão imediata que não podia ser sincera.
Se há ateus entre os atletas brasileiros, são pouquíssimos e não ousariam quebrar a união do grupo. Suponho que os evangélicos, sendo cristãos, pouco se importam. Budistas, macumbeiros, espíritas, idem. Muçulmanos talvez se recusassem - mas nunca vi um deles em qualquer time brasileiro, de qualquer modalidade.
Mesmo ateus, salvo os militantes, tipo Richard Dawkins, podem se sentir à vontade em correntes de oração. Vi uma vez Manoel Zapata, o escritor colombiano, se ajoelhar diante do altar da Lampadosa, no Rio, a última parada do Tiradentes antes da forca. Sendo ele ateu impenitente, perguntei por que o fazia. "Não me ajoelho para o santo, mas para os que acreditam nele."
O fingimento dos macumbeiros. Certa vez tomei café da manhã com Menininha do Gantois. Ela ligou o rádio no programa de um pastor evangélico. Percebendo minha surpresa, explicou: "É para começar o dia, não perco uma pregação". Mesmo quando ataca o candomblé? "Não tem importância, vale tudo para a elevação espiritual." Tema clássico da antropologia essa peculiaridade das religiões arcaicas, cada povo tem o seu deus, mas não dispensa os dos outros. O proselitismo é invenção do monoteísmo. Nas conquistas antigas, os deuses dos conquistados aumentavam o panteão dos conquistadores. Isso aconteceu mesmo na América, onde os deuses locais foram incorporados quase sempre com sinal trocado - como aquele Anhangá tupi, virado em demônio - ou indiretamente, a medo. O Cristo Redentor abençoa todos os cariocas, mesmo os que dispensam bênçãos. Ateus e macumbeiros desdenham a hegemonia católica. Cuidado, portanto. Pode haver ateus e macumbeiros entre os recitadores do Padre-Nosso olímpico. 
JOEL RUFINO DOS SANTOS - no Estadão de hoje.

8 comentários:

  1. Trabalhei num lugar onde se rezava uma pai vosso todas as manhãs. Um dia um crente descobriu que eu era atéu e contou para minha chefe (segundo ele eu estava quebrando a corrente). Ela disse: - Se ele que não crê não se incomoda de ficar na oração (ficar não orar, eu só baixava a cabeça) então pq tu que é crente se opõe a presença dele? é isto que cristo iria querer?
    Resposta do crente para mim: - Tu só é ateu pois acabou a inquisição.
    Resposta minha - Não, tu só sabe que sou atéu por causa que acabou a inquisição e da mesma forma que tu só é cristão por que o império romano ruiu. Ou estaria alimentando leões hoje.
    Conclusão - Não me fazia mal estar no meio da orãção calado, mas faz mal para eles nossa presença.
    é para refletir esta

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  2. Isso não é verdade. Jesus nos ensinou a amar a TODOS; o cristão que faz isso não pode se considerar um cristão, mas sim um hipócrita travestido de cristão. O mesmo serve para os ateus.
    A presença de ateus, só pelo fato de serem ateus, não nos faz mal, pelo menos para nós católicos.
    O mal dos ateus é esse vício de generalizar tudo o que se refere a religião. Você, Chamouth, como todo ateu que se preza, é um grande preconceituoso... antes de julgar todas as pessoas de fé procure se olhar no espelho.

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  3. Decididamente, Deus não é brasileiro: três medalhinhas de ouro?
    A julgar pelo quadro final, o Cara é sino-americano.

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  4. Eu não entendo a revolta do Fernando, mas como posso cobrar coerência de pessoas religiosas né?
    Saibas palavras Dr House!

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  5. Não é revolta, é perplexidade. Eu não entendo como uma pessoa pode "uniformizar" todas as outras por causa do exemplo ruim de algumas... somente isso, Chamouth.

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  6. não sei se vocês sabem? mas o cazé ex-vj da mtv, se deu mal na globo quando disse em alto e bom som que era ateu. hoje por milagre trabalha na band, o fernando henrique perdeu a eleição pra prefeitura de são paulo, para o jânio quadros quando disse em alto e bom som que era ateu. se tem alguma ateia no meio da seleção de vôlei fez bem em não sair da rodinha idiota.

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    1. Bem, no caso do Fernando Henrique não foi bem em alto e bom tom...o idiota do Boris Kasoy foi bem traíra e colocou FHC em uma armadilha. Como resultado da estupidez humana perdemos a chance de ter um grande prefeito para ter o Janio.

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  7. PQP, na boa, isso me revolta muito!! Fico PUTO!! Dúvido que se um outro atleta (não precisa nem ser ateu!) que fosse de outra religião não cristã, o restante daria a oportunidade e rezariam sua prece com ele!! E se fosse mais de um então??? Por essas e outras que NENHUMA religião presta!! As religiões só não são mais imbecis porque têm os idiotas que as seguem, estes sim, são os verdadeiros imbecis!! ta dito e pronto, fico PUTO com essas coisas!!

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