sexta-feira, 11 de maio de 2012

Morte digna.


Apesar de ferozmente divididos em votações que comportam tendências ideológicas e preferências partidárias, os ministros do Supremo Tribunal Federal têm sido majoritariamente, quando não unanimemente, a favor de avanços nos delicados temas de comportamento e de contemporaneidade.
Um deles bate à porta do Brasil, depois de entrar na Colômbia e agora na Argentina: o direito à morte digna. Não se trata ainda de eutanásia, em que os médicos podem agir ativamente para apressar a morte e abreviar o sofrimento de pacientes terminais, sem chance de cura. Trata-se da possibilidade de retirar tubos, agulhas e toda a parafernália que não serve para salvar uma vida, mas para postergar uma morte inevitável.
Quem viu uma pessoa muito querida sendo submetida a uma verdadeira tortura em nome de nada sabe do que se fala aqui e entende perfeitamente a "lei da morte digna", aprovada por unanimidade pelo Senado argentino anteontem, seguindo a trilha aberta pela Colômbia.
A pessoa quer ir, precisa ir embora. A tecnologia, aliada a dogmas, imposições legais e códigos arcaicos, não deixa. É de uma crueldade atroz, que martiriza o paciente e os que o amam. Neste caso, anos a fio, assombrando sonhos e noites insones.
Médicos são treinados para salvar vidas e gastam-se milhões mundo afora com o objetivo de curar, recuperar, garantir a sobrevivência. Necessário e louvável. Mas esses objetivos tão nobres não podem ser usados e servir de pretexto para resultados cruéis, porque inúteis.
Pacientes com doenças incuráveis e os que os amam devem ter o direito, inclusive legal, de decidir com os médicos até quando lutar e resistir e a hora em que a guerra está perdida.
Que os brasileiros debatam esse princípio como legítimo, os legisladores encampem a sua formalização e os juízes confirmem que, apesar dos pesares, o Brasil avança para um futuro melhor -e mais digno.
(Eliane Cantanhede - Folha de SP - 11/5/2012)